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Mineralogia dos Sedimentos Arenosos da Margem Continental Setentrional Portuguesa |
Cascalho, J.P. |
Tese de Doutoramento, 2000, Universidade de Lisboa |
Resumo:
Esta dissertação tem por objectivo fundamental o estudo da composição mineralógica (minerais pesados) da areia fina e muito fina presente na plataforma continental sententrional portuguesa e rios afluentes. A interpretação dos dados da composição mineralógica dá grande destaque à compreensão das actuais condições de transporte e sedimentação dos minerais pesados.
O trabalho desenvolvido assenta no estudo de 440 amostras oriundas quer da plataforma continental quer dos troços terminais dos rios Minho, Lima, Cávado, Ave e Douro. Também se inclui aqui um conjunto de amostras provenientes da laguna de Aveiro.
Foram identificadas vinte espécies transparentes utilizando o microscópio polarizante de luz transmitida. Algumas identificações foram realizadas com base na microssonda electrónica.
Das vinte espécies identificadas, sete têm percentagens numéricas médias iguais ou superiores a 1%: biotite, andaluzite, granada, turmalina, anfíbola, zircão e estaurolite. As restantes têm percentagens numéricas médias inferiores a 1%: apatite, distena, rútilo, silimanite, clinopiroxena (augite e diópsido), ortopiroxena (hiperstena), olivina (forsterite), titanite, epídoto, anatase, broquite e monazite.
Algumas das espécies mais representativas têm padrões de distribuição que denunciam um actual fornecimento à plataforma de sedimentos arenosos finos oriundos dos rios setentrionais. Por exemplo, determinadas áreas da plataforma interna e média contêm areias muito ricas em biotite em tudo indênticas às areias que pertencem aos rios Minho, Lima, Cávado, Ave e Douro. Contudo, existem outras áreas da plataforma onde a composição mineralógica da areia é aparentemente compatível com antigos fornecimentos de partículas terrígenas. Nestas áreas, é comum a presença de grãos rolados a muito rolados que testemunham uma longa evolução que provavelmente decorreu em mais do que um ciclo sedimentar. Está nesta situação a grande maioria dos grãos de granada, estaurolite, andaluzite e turmalina que pertencem a depósitos de areia média a grosseira, situados na plataforma média, ao largo de Aveiro.
A maior parte das vinte espécies transparentes tem como origem primária as rochas ígneas e metamórficas que caracterizam as bacias hidrográficas dos rios Minho, Lima, Cávado, Ave, Douro e Vouga. Trata-se, em geral, de granitos, gnaisses e de xistos. Segundo TEIXEIRA (1956), COSTA & TEIXEIRA (1957), TEIXEIRA & ASSUNÇÃo (1961), TEIXEIRA et al. (1965), TEIXEIRA et al. (1969) e TEIXEIRA et al. (1972), os granitos revelam um conteúdo em minerais pesados transparentes composto por biotite, turmalina, apatite e zircão. COSTA & TEIXEIRA (1957) referem a existência de um tipo de granito conhecido por granito de Fânzeres, que tem a particularidade de conter grandes cristais de granada. Os xistos estão classificados de acordo com a composição mineralógica dominante. Assim, existem os xistos biotíticos, os xistos granatíferos, os xistos estaurolíticos e os xistos anfibolíticos.
A presença de ortopiroxena, clinopiroxena e olivina nas areias da plataforma externa, bordo e parte superior da vertente, a sul do canhão do Porto, não está relacionada com as litologias que caracterizam o continente emerso adjacente. A identicação por microssonda electrónica permitiu confirmar a presença de diópsido, augite, hiperstena e forsterite (olivina rica em magnésio). A presença destes minerais poderá estar relacionada com a existência de rochas ígneas básicas e também com rochas siliciosas ou calcárias dolomíticas afectadas por metamorfismo térmico. De acordo com os padrões de distribuição destes minerais pesados, é provável que estas rochas se localizem em áreas próximas das cabeceiras dos canhões do Porto e de Aveiro. Aliás, segundo RODRIGUES et al. (1995), foi detectada próximo da cabeceira do canhão do Porto uma estrutura que pode estar relacionada com a presença de uma rocha ígnea (básica?).
A análise estatística dos dados foi realizada com base na aplicação do método da Análise dos Componentes Principais (ACP). A partir dos dados matriciais referentes a todas as amostras foi possível extrair quatro componentes principais que explicam cerca de 70 % da variância. A partir deste resultado foi possível fazer a projecção dos vários minerais (aqui considerados variáveis) segundo os diferentes componentes principais. Foram assim definidos cinco grupos compostos por espécies mineralógicas com afinidades de distribuição:
Grupo I: andaluzite, granada, turmalina, estaurolite, distena e rútilo;
Grupo II: andaluzite, granada, turmalina, estaurolite e distena;
Grupo III: granada, estaurolite, distena e rútilo;
Grupo IV: clinopiroxena, ortopiroxena e olivina;
Grupo V: andaluzite, turmalina e anfíbola.
Em geral, a representatividade dos vários grupos difere muito entre as amostras fluviais e as amostras da plataforma. Esta situação deve-se ao facto de a generalidade das amostras dos rios ser muito rica em biotite, mineral que não faz parte de qualquer dos grupos de minerais, devido ao seu particular comportamento hidrodinâmico.
Os grupos I, II e III são constituídos por grãos minerais cuja concentração em determinadas amostras da plataforma reflecte a actuação de processos específicos que não têm lugar no meio fluvial, o que justifica a sua fraca representatividade nas amostras neste último meio.
O grupo IV é formado por espécies oriundas de rochas ígneas básicas que não estão representadas nos afloramentos presentes nas bacias hidrográficas dos rios, daí que seja natural que estes minerais não tenham representatividade nas amostras fluviais.
O grupo V é, de todos, aquele que exibe uma percentagem de ocorrência mais equilibrada entre as amostras fluviais e as da plataforma. Esta situação apoia a hipótese de que actualmente há fornecimento à plataforma de grãos de andaluzite, turmalina e anfíbola das dimensões da areia muito fina.
Os minerais pesados têm um comportamento hidrodinâmico diferente do quartzo, sobretudo porque apresentam uma densidade relativamente mais elevada. RUBEY (1933), ao definir o conceito de equivalência hidráulica, admite que os grãos minerais com igual velocidade de sedimentação constituem o mesmo depósito sedimentar.
Os trabalhos posteriores ao de RUBEY (1933) vieram demonstrar que, nos mais variados depósitos sedimentares (quer de ambiente fluvial quer de ambiente litoral/intertidal), a noção de equivalência hidráulica, tal como foi originalmente definida, não é aplicável na prática, uma vez que a velocidade de sedimentação não constitui a única grandeza física a determinar os grãos presentes num dado depósito sedimentar. A contestação à definição original de equivalência hidráulica começou a tomar forma com RITTENHOUSE (1943), sendo HAND (1967) a verificar, na prática, que os diferentes grãos minerais que constituem o mesmo depósito não têm, de facto, velocidades de sedimentação iguais.
A interpretação desta situação, observada e testada por este autor, foi também realizada por vários outros autores de duas formas distintas:
- considerando a inexistência, na fonte, de grãos com velocidades de sedimentação iguais;
- considerando a possibilidade de explicar a equivalência entre comportamentos de diferentes grãos sem ser com base exclusiva na velocidade de sedimentação.
A segunda interpretação é actualmente aceite pela generalidade dos investigadores. Assim, o comportamento hidrodinâmico equivalente entre dois grãos distintos que justifica a sua inclusão no mesmo depósito é, em grande medida, explicado pelo facto destes possuírem idênticas susceptibilidades para o arraste e consequente entrada em movimento. A este propósito, SLINGERLAND (1977) refere que, no momento de entrada em movimento que se estabelece a equivalência entre dois diferentes grãos que não possuem a mesma velocidade de sedimentação.
A aplicação do programa TRANSED (TABORDA, 1999) permite quantificar a influência dos factores que condicionam o comportamento hidrodinâmico dos minerais pesados: densidade e forma dos grãos e granulometria do depósito sedimentar. Para tal, foram escolhidos vários grãos--tipo representantes dos minerais pesados identificados. Para cada um destes grãos foram determinados os valores das grandezas velocidade de sedimentação, velocidade de corte crítica e tensão de corte crítica. Em conjunto, estas grandezas funcionam como parâmetros de quantificação da mobilidade dos grãos.
Ao aumento dos valores da densidade corresponde uma subida muito significativa dos valores das grandezas físicas referidas. Por exemplo, variar a densidade entre o valor do quartzo (2.65) e o valor do zircão (4.7) traduz-se num aumento para o dobro da velocidade de sedimentação e da tensão de corte crítica.
A influência da forma manifesta-se com especial incidência nos grãos mais tabulares ou lamelares. A comparação entre as formas esféricas e as formas mais comuns de cada grão-tipo permitiu o apuramento de variações importantes nos valores das grandezas físicas (velocidade de sedimentação, velocidade de corte crítica e tensão de corte crítica).
A velocidade de sedimentação sofre decréscimos importantes quando se introduz o factor forma para o caso dos grãos mais tabulares ou lamelares. No que respeita às outras duas grandezas (velocidade de corte crítica e tensão de corte crítica), verifica-se que os grãos mais tabulares ou lamelares acusam um aumento significativo do valor das referidas grandezas, enquanto que os grãos de formas elipsoidais registam um decréscimo desses valores.
O efeito da granulometria do fundo sedimentar é determinante nas condições limiares de entrada em movimento dos grãos. Este efeito é certamente responsável pela aparente afinidade que as diferentes espécies de minerais pesados mostram por determinadas dimensões granulométricas dos sedimentos. É o caso da concentração de grãos de biotite em amostras compostas maioritariamente por grãos de areia muito fina, ou a concentração de grãos de granada em amostras contendo grandes quantidades de areia grosseira.
Verificou-se que os grãos-tipo presentes em areias grosseiras exigem, para entrar em movimento, uma velocidade de corte crítica ou tensão de corte crítica de valor muito elevado. Pelo contrário, os grãos-tipo inseridos em meios de areia fina ou muito fina exigem valores destas grandezas muito mais modestos.
A definição do parâmetro de mobilidade (Mob) constitui uma forma de quantificação da afinidade dos vários grãos-tipo com transporte em tracção ou em suspensão. Foi possível encontrar dois conjuntos de grãos de acordo com o valor assumido por este parâmetro. Assim, os grãos com Mob superior à unidade têm uma natural afinidade com o transporte em suspensão. Para estes, a velocidade de sedimentação é um bom estimador da susceptibilidade à entrada em movimento. Por sua vez, os grãos com Mob inferior a 1 admitem a possibilidade de transporte em tracção. Para estes, a velocidade de corte crítica é um bom estimador do limiar de entrada em movimento.
Os resultados da quantificação da mobilidade dos grãos foram aplicados com o objectivo de interpretar as distribuições de diferentes minerais. Foi, assim, possível concluir que os grãos lamelares de biotite, os grãos mais tabulares de anfíbola e os grãos de menor dimensão de andaluzite e de turmalina constituem traçadores das actuais condições hidrodinâmicas da plataforma. Em concreto, verifica-se que os rios fornecem estes grãos para a plataforma interna, onde têm tendência para ser transportados no sentido norte-sul. Parte deles atinge a plataforma média de onde poderá, enventualmente, ser transportada até ao bordo da plataforma, de acordo com o regime dominante de ondas e correntes.
A maioria dos grãos mais grosseiros de granada, estaurolite, andaluzite e turmalina não se encontra em equilíbrio com as condições hidrodinâmicas actuais da plataforma. A sua presença está relacionada com a existência de depósitos de carácter relíquia definidos por DIAS (1987), MAGALHÃES (1993), ABRANTES (1994) e MAGALHÃES (1999).
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