I Seminário sobre Utilização das Tecnologias da Informação e Comunicação em Geologia
Universidade do Minho, Braga, 3-4 de Fevereiro de 2000
Ciências da Terra, 2000, volume especial IV

Exemplos de ferramentas de media utilizados nas TIC em Geologia
Projecto GeoMedia

F. Barroso1,2 & J. C. Kullberg2,3

1 - Instituto de Inovação Educacional, Tv. das Terras de Sat’Anna, 15, 1250-269 Lisboa
2 - Centro de Estratigrafia e Paleobiologia da UNL, Quinta da Torre, Monte de Caparica, 2825-114 Caparica
3 - Departamento de Ciências da Terra da FCT/UNL, Quinta da Torre, Monte de Caparica, 2825-114 Caparica

RESUMO
Palavras-chave
: Animação 3D, QTVR, Anáglifo, Media, Geologia
Apresentam-se várias ferramentas de media, nas áreas de video, modelação/animação 3D e produção/edição de som, que estão a ser utilizadas no âmbito de projecto de multimédia em Geologia. São discutidas dificuldades sentidas ao longo do seu desenvolvimento e a forma como a equipa as tem vindo a ultrapassar.

ABSTRACT
Keywords
: 3D animation, QTVR, anaglyph, media, Geology
Several media tools for video, 3D modelling/animation and sound production/editing, which are being used in the development of a multimedia Geology project, are presented. Some issues concerning dificulties felt in the use of those tools and the implementation of the respective applications, are discussed with relative detail and some of the found solutions are presented.


INTRODUÇÃO
O Centro de Estratigrafia e Paleobiologia da Universidade Nova de Lisboa (CEPUNL) está a desenvolver, há cerca de dois anos, conteúdos para a edição de um produto multimédia na área da Geologia, em suporte DVD-ROM, Livro e Internet. A componente Internet encontra-se já assegurada nesta data, através de financiamento do Programa Nónio Século XXI. A designação do projecto integrado assumiu desde início a designação de GeoMedia, que deverá ser em breve modificada, devido à utilização do nome por várias outras instituições, em particular no estrangeiro.
A produção de conteúdos multimédia em suporte digital no nosso país, tem estado quase exclusivamente ligada a algumas editoras que o fazem de forma pontual, avulsa e sem um planeamento de fundo. Provavelmente este comportamento é assumido pois o grande público, em especial os mais jovens, só recentemente têm sido despertados para a utilização destas tecnologias. Para além do mais, talvez ainda não tenham sido criadas e estimuladas equipas para a produção de conteúdos de forma integrada. E não só. Ao implementar um produto deste tipo, quem o fizer, irá deparar seguramente, com uma barreira de difícil transposição: a da implementação informática de conteúdos científicos e pedagógicos, em tempo útil, ou seja de forma competitiva com o mercado internacional, devido à escassez de incentivos e de programas próprios de raiz nacional.
Apesar destes constrangimentos, difíceis de ultrapassar até ao momento, a equipa do CEPUNL tem apostado, ao ritmo possível, na elaboração de conteúdos em formatos variados (animações 3D, QTVR’s, anaglifos, etc), com o forte apoio de alunos da Licenciatura em Engª Geológica da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNL, que têm vindo a receber formação específica em várias áreas.
Alguma da experiência adquirida e em especial algumas dificuldades sentidas na manipulação de software genérico, aplicado à construção de cenas de geologia, será aqui relatada.

ANIMAÇÃO 3D
Este tipo de ferramenta de produção multimédia é particularmente útil em Geologia, na medida em que permite recriar, em tempo bastante curto, processos geológicos que decorrem normalmente ao longo de milhares ou milhões de anos. Esta ferramente assume assim uma grande relevância como instrumento de ensino, uma vez que, não nos esqueçamos, o "tempo geológico" é algo difícil de ser "percepcionado", em especial pelos alunos dos primeiros escalões do ensino.
Uma das animações 3D produzidas refere-se ao processo de formação de burgau em praias, tendo sido escolhida para o efeito a praia da Ponta da Abelheira, situada a sul do maciço de Sintra. Na medida em que este fenómeno é moroso, para uma descrição didáctica houve necessidade de recorrer a processos de realidade virtual, aqui entendida como uma reconstituição de objectos e fenómenos no espaço tridimensional, com preocupações de verosimilhança relativamente às formas reais e às respectivas texturas (fig. 1). A vantagem da utilização das tecnologias a seguir enunciadas é, pois, a de possibilitar a demonstração acelerada de fenómenos que ordinariamente decorrem durante milhares de anos. Esta reconstituição permite um domínio discricionário da temporização, logo é especialmente adequada para o objectivo a atingir.


Figura 1- Cenário virtual da praia da Ponta da Abelheira.

A primeira fase consistiu na digitalização de vídeo e fotografia, tomados na referida praia, para que todos os elementos estivessem disponíveis para consulta rápida e edição no disco duro.
A reconstituição da praia e elevações circundantes foi feita recorrendo a um modelo digital de terreno (DTM) elaborado para o efeito, a partir da carta topográfica à escala 1/25000. Este modelo, em forma de tons de cinza, foi convertido em formato 2D (TIFF), e importado pelo editor de terreno do software de animação tridimensional Bryce4. Dada a reduzida resolução do DTM e as limitadas capacidades de modelação do Bryce4, recorreu-se ao software da Pixels Animation para modelar as arribas abruptas, os calhaus da praia e outras formações avulsas. A modelação foi feita com base em fotografias e amostras recolhidas no local. Os "objectos" foram então exportados do Pixels3D Studio para o Bryce4 sob o formato de 3dmf , que mantém as curvas de Bèzier do modelo original, ao contrário do formato dxf.
Seguiu-se o estudo das texturas do terreno, a partir das quais foram programadas as texturas procedurais respectivas, com recurso às fotografias e ao vídeo colhidos no local. A água virtual foi obtida através de um plano infinito com a textura fractal relevante. Com uma parametrização adequada, a água simula ondular na direcção da praia.
Posteriormente, os cenários foram animados através de movimentos da câmara, dos objectos e da programação das texturas por forma a simular os resultados da erosão contínua sobre os calhaus originalmente angulosos. Alguns modelos destes calhaus foram sendo substituídos por modelos sucessivamente mais arredondados, previamente preparados no Pixels3D. Noutros exemplares, a forma foi alterada ao longo do tempo através do editor de terreno do programa Bryce4.


Figura 2 – Imagem mostrando a operação de fragmentação de modelos em ambiente Pixels3D.

Uma das maiores dificuldades desta animação consistiu na fragmentação de um bloco proveniente do alto da arriba envolvente que se fragmenta em vários blocos menores ao atingir o solo; ou seja, a simulação de um dos "movimentos" iniciais do processo de elaboração de burgaus. Recorreu-se a uma técnica de fragmentação de modelos que é particularmente bem executada pelo Pixels3D (fig. 2).
A animação produzida é acompanhada de som ambiente natural, de locução e de música ambiente original. No som natural, proveniente dos takes de uma câmara de vídeo semi-profissional, foi necessário proceder à respectiva análise e ressíntese, com o intuito de fazer realçar as frequências ressonantes características da ambiência local. Este som foi extraído para o disco duro através da placa AudioMedia III e os respectivos espectros analisados em Csound. O ficheiro de análise dinâmica resultante foi utilizado para modular sequências de ruído branco e rosa, de forma a obter uma reconstituição separada do som das vagas e do entrechocar dos calhaus, sendo esta uma sonoridade muito própria do local. Os ficheiros consequentes foram editados, comprimidos, equalizados e normalizados no editor de som digital Bias Peak.
Os clips de vídeo recolhidos no local e as animações entretanto produzidas foram compostas e editadas em ambiente Strata Studio. A sincronização e impressão do som no vídeo foram feitos em Studio Vision, tendo este software controlado igualmente o estúdio Midi (externo ao computador) onde foi produzida a música ambiente (fig. 3).


Figura 3 – Impressão da faixa sonora no vídeo em Studio Vision.

O produto final resultou num pequeno "clip" em formato QuickTime que combina audio, video e animação virtual que constitui uma das animações que integrará o formato digital do projecto GeoMedia. A duração do "clip" é de 3:08 minutos e a dimensão do ficheiro de 215 Mb. A partir do original foi realizada outra versão, de duração, dimensão e qualidade consideravelmente inferiores, preparado para a página da Internet.

QUICKTIME VIRTUAL REALITY (QTVR)
Foi ainda construído, a partir de fotografia e captação sonora, um panorama (a 360º) virtual em formato QuickTime VR, que fornece pormenores sobre as formas geológicas a partir de um observador colocado na praia do burgau. A toma das fotografias foi feita de acordo com os procedimentos próprios do quicktime virtual reality, que podem ser consultados na página do IQTVRA ou, em língua portuguesa, na do Departamento de Ciências da Terra da Universidade do Minho.
Assim, foi colocado um tripé ao nível da zona de rebentação e foram tomadas 12 fotografias em círculo, com uma ligeira sobreposição entre cada uma (fig. 4). Após digitalização e comprimidas, para não tornar o ficheiro final demasiado "pesado", as imagens foram editadas em ambitente Painter, colocadas no cilindro virtual através da aplicação SpinPanorama e homogenizadas para constituir a imagem única do panorama. Os sons direccionais, isto é, cuja intensidade é função do grau de rotação do panorama, foram embebidos através de script desenvolvido para o efeito.


Figura 4 – Vista parcial do panorama da praia da Ponta da Abelheira.

Estes cenários de visitas virtuais a locais de interesse geológico, estão a ser aperfeiçoados, migrando-os para QTVR’s multi-cenário (fig. 5). Estas ferramentas, especialmente destinadas ao apoio à preparação de visitas de estudo para os ensinos básico e secundário, permitirão que o utilizador se desloque sequencialmente de cenário para cenário, através de um simples clicar em áreas sensíveis pré-determinadas. Esta ferramenta permitirá, ainda, efectuar aproximações (zoom) a alguns sectores dos panoramas, sem a consequente perda de qualidade da imagem, devida ao aumento da dimensão dos pixels.


Figura 5 – Demonstração das relações entre QTVR’s em multi-cenário.

ANÁGLIFOS
O mesmo cenário da praia da Ponta da Abelheira foi utilizado para a elaboração de imagens que dão a sensação de relevo no monitor e, mesmo, em imagens impressas, como é o caso apresentado na figura 6.
Existem várias técnicas para a observação de imagens estereoscópicas, desde os tradicionais ViewMaster, aos estereoscópios, até à utilização de óculos coloridos para a visualização de imagens impressas com cores complementares (anáglifos). Para a visualização de imagens em relevo a partir do monitor do computador, a técnica mais ámigável, expedita e acessível ao público é, sem dúvida, a última.
A escassa bibliografia sobre matéria não fornece procedimentos directamente transponíveis para as aplicações utilizadas, pelo que os algoritmos se encontram ainda em estudo.
O desafio que a equipa se propôs enfrentar foi o de elaborar anáglifos a partir das imagens de animação 3D que vai produzindo, não só em versão estática (alguns fotogramas mais representativos) mas, sobretudo para o total da animação.
Várias dificuldades se colocaram à partida:
1) o funcionamento das câmaras fotográficas (e de vídeo) contidas no software comercial de animação 3D mais acessível ao grande público (ex: Bryce e Pixels3D) é manifestamente precário para este fim;
2) em cenas vistas em perspectiva ("fotos aéreas altas"), onde a profundidade do campo captado é bastante grande, a deformação das imagens do par estereoscópico torna-se muito elevada (comparar figuras 6 e 7);
3) a técnica clássica de subtracção das cores complementares em cada uma das fotografias do par estereoscópico prejudica de forma drástica as cores reais da imagem fundida;
4) em especial em sequências animadas com a duração de vários segundos ou mesmo minutos, a soma de processos envolvidos na correcção das dificuldades apontadas nos pontos anteriores leva a um trabalho "interminável", em especial se considerarmos que o número mínimo de fotogramas aconselhável para animações é de 15 por segundo.
Para automatizar estes processos, a equipa encontra-se neste momento a desenvolver um plug-in para a aplicação Pixels3D Studio.

CONCLUSÕES
A experiência adquirida pela equipa do CEPUNL na elaboração das ferramentas de multimédia discutidas neste trabalho levam a concluir:

  • Para a elaboração de animações representando "ambientes geológicos" de forma verosímil, necessita de modelos com elevado número de polígonos e software com capacidades de modelação potentes. Das aplicação mais acessíveis que possibilitam diferentes soluções em ambiente integrado destaca-se o Pixels 3D em detrimento do Bryce4, que foi incluído no início dos trabalhos principalmente por causa da muito inclinada curva de aprendizagem do Pixels3D.
  • Para a elaboração de QTVR’s, num estádio inicial, interessante mesmo assim, a aplicação utilizada mostrou-se proficiente, se bem que limitada em termos de conjugação de multiplos cenários. Esta dificuldade pode ser ultrapassada recorrendo à aplicação Director da Macromedia.
  • A utilização de anáglifos como ferramenta de média (multimédia se integrados, por exemplo, com texto e som) parece-nos oferecer bastantes potencialidades, nomeadamente para a representação de tipos geomorfológicos. Se bem que ainda pouco divulgada, provavelmente devido às dificuldades técnicas da sua construção, referidas no capítulo respectivo, esta ferramenta pode constituir um excelente complemento para a aprendizagem por e para os media.
  • As tomas de média nos locais (vídeo, fotografia e som) devem ser originalmente da melhor qualidade, de forma a poupar o trabalho de pós-produção, assaz moroso e carenciado de vastos recursos humanos e materiais (software e hardware).
  • A produção continuada de media especializado, em Geologia ou qualquer outro ramo da Ciência, é particularmente exigente em termos de equipa: ela tem de ser multidisciplinar, contendo naturalmente especialistas na área científica e outros na área tecnológica, de forma a serem garantidos o rigor científico e a qualidade técnica dos produtos finais.

AGRADECIMENTOS
Este trabalho foi desenvolvido no âmbito do Projecto "Construção da HomePage do CEPUNL" financiado pelo Programa Nónio Século XXI". Os autores agradecem a produção do modelo digital de terreno para a praia da Ponta da Abelheira efectuado por Maria da Graça Azevedo de Brito (CEPUNL, DCT/FCT/UNL). Agradecem também a Willis Morse (EUA) pela ideia do frustrum para a câmara do Pixels 3D e a Graeme Nattress (EUA) pela sua compilação de vectores em TCL, fundamentais para o desenvolvimento de processos de automatismo referentes aos anáglifos.

BIBLIOGRAFIA
Brilha, J.B.; Dias, G.; Mendes, A.; Henriques, R.; Azevedo, I. & Pereira, R. (1999) – "A Internet e a divulgação do património geológico", Departamento de Ciências da Terra, Universidade do Minho: consulta em 6 /Janeiro /2000.

Metacreations Corp. (1999) – "Bryce 4 manual", Carpinteria, 486pp.

PictureWorks Technology, Inc. (1999) – "Getting Started Guide: SpinTMPanorama 2.0", Danville, 14pp.

Pixels Animation Studios, Inc. (1999) – "Pixels:3DTM studio version 3.x user manual", San Diego, 191pp.

Vercoe B. (1986) – "CSound: a manual for the audio processing system and supporting programs with tutorials", Med Lab, MIT, Massachusetts, 380pp.

Regressar ao indíce

I Seminário sobre Utilização das Tecnologias da Informação e Comunicação em Geologia
Universidade do Minho, Braga, 3-4 de Fevereiro de 2000
Organização: Associação Portuguesa de Geólogos e GEOTIC - Grupo de Especialidade da Sociedade Geológica de Portugal