A Ignorância Atrevida de Miguel Sousa Tavares Prezo bastante as crónicas de Miguel Sousa Tavares. Por isso mesmo não admito que M.S.T., ao escrever o artigo de opinião do passado dia 30/3 (com cujo teor estou de acordo, na generalidade), venha apresentar argumentos descabidos, por um lado, e cientificamente incorrectos, por outro, para fazer valer o seu ponto de vista. Socorre-se M.S.T. do exemplo das gravuras do Côa e do processo que levou à não construção da barragem. Diz ainda: "Foi assim que a barragem perdeu para as gravuras e que agora se projecta uma barragem de substituição no Paiva, o mais despoluído dos rios portugueses, e onde a sua construção será devastadora para o ecossistema envolvente." Ao ceder a este cliché já antigo do rio menos poluído de Portugal, M.S.T. comete um erro. Por um lado, o adjectivo vem apenas do desconhecimento da situação real e, por outro, o valor de um rio não se mede apenas pela poluição que o afecta. Ao apontar as consequências devastadoras para o vale do Paiva, M.S.T. está correcto, mas não sabe que a biodiversidade do Paiva é incomparavelmente inferior à do vale do Côa, pelo que o argumento não é aplicável. As consequências no Côa teriam sido piores. Acaso desconhece M.S.T. que grande parte do vale do Paiva está eucaliptada, em contraste com o vale do Côa? Conhece M.S.T. alguns dos estudos que apontam o vale do Côa como das zonas com património natural mais rico do nosso país? Terá M.S.T. conhecimento dos biótopos Corine ou da Lista Nacional de Sítios da Rede Natura 2000 (documentos que dão uma indicação da biodiversidade e dos ecossistemas a preservar, de acordo com a Directiva Habitats) e comparado a relevância dos dois vales? Se não, é pena, pois um jornalista do calibre de M.S.T. deveria ter mais cuidado com o que escreve. Se sim, então temo pela qualidade dos escritos de M.S.T. e a minha confiança para aceitar os seus argumentos sobre temas que desconheço está irremediavelmente diminuída. Em vez de usar argumentos que não colhem perante a comunidade científica mais informada, ficaria melhor a M.S.T. apontar as suas baterias à falta de estratégia da administração central em relação ao consumo crescente de energia e de água, tornando a sociedade refém da construção de mais barragens e da queima de mais combustíveis fósseis, com todas as consequências ambientais daí decorrentes. Sobre o valor das gravuras, em face dos argumentos de vários especialistas, também tenho a minha opinião, mas não é essa a minha especialidade. (P.S. - O título não constitui presunção, mas destina-se apenas a indicar que sei do que estou a falar.) Os Dinossauros Voltam a Atacar Ao ler o artigo de sexta-feira passada [de Miguel Sousa Tavares], recordei-me de uma aula há uns tempos e do comentário de um ex-aluno. Argumentava ele, num misto de enfado típico e irreverência não pensada, para que é que ele precisava de estudar e falar sobre os dinossáurios, já que estavam extintos e o que ele queria, quando acabasse o nono ano, era ser mecânico! Realmente para que é necessário a um futuro manuseador de peças automóveis conhecer um pouco da História Natural do nosso planeta? Para que é preciso conhecer, degustar literatura a um futuro consumidor de jornais desportivos, entre uma revisão automóvel e outra? Para que é preciso saber o que de importante se passou entre 1939-45, se o importante é saber quando chega o fim do mês? Não o incomodo com a argumentação que tive na altura com o referido aluno. Apetecia-me talvez acrescentar que um ilustre fazedor de opiniões como o senhor deveria, talvez, contribuir para que a opinião pública reconheça e valorize os diversos campos de conhecimento científico e da preservação do património natural. Ao querer atacar e classificar a importância desse mesmo trabalho científico, com argumentos ao nível do quase básico, não está a contribuir para uma sociedade portuguesa mais culta e tolerante. A falta de sensibilidade demonstrada pelo seu artigo, não só científica mas de uma maneira geral, só pode ser comparada à do meu ex-aluno. A ele perdoei-lha pela má disposição momentânea, pelo seu ambiente familiar desfavorecido e pouco estimulante, pela falta de perspectivas de um futuro risonho... E a si, caro dr., como lhe vou perdoar tamanha falta de sensibilidade? Resposta de Miguel Sousa Tavares Os Dinossauros Não Atacam. Precisam É de Ser Defendidos Ao contrário do que diz o dr. Miguel de Sousa Tavares no PÚBLICO (29-03-01), os dinossauros a que se refere não atacam. Feneceram todos e de vez há 65 milhões de anos, mas apenas fisicamente. Contudo, permanecem bem vivos na ciência, no imaginário e no coração de milhões e milhões de crianças e jovens e dos muito adultos que souberam ou puderam manter viva a Primavera, razões suficientes para que tratemos com seriedade o fenómeno social, ímpar e por demais conhecido, centrado nestes animais pré-históricos, goste-se ou não deles. Os dinossauros não atacam. Precisam é de ser defendidos, não em nome desta geração, rendida aos cifrões, mas das futuras, cujo bem-estar nos deveria unir também em torno destes valores naturais. Como descendentes, os dinossauros deixaram-nos os rouxinóis e toda a variedade de aves que alegram as paisagens deste mundo. Os portugueses não são muito versados em geociências. Salvo aquelas excepções que sempre há e que é preciso acautelar neste tipo de generalizações, tal condição envolve mesmo as classes de formação académica mais elevada em outras áreas, que, por defeito do sistema de ensino, sempre viram no estudo das rochas, dos minerais e dos fósseis matérias desinteressantes e enfadonhas. Estamos, porém, a assistir à mudança deste estado de coisas. Nos actuais programas escolares, a geologia ganhou um pouco mais de atenção; todavia, continua a não merecer a importância que tem na sociedade. O êxito das feiras de minerais e fósseis iniciadas há uma dúzia de anos no Museu Nacional de História Natural e que de pronto se alargaram a outras cidades do país, as grandes exposições que aqui tiveram lugar, com centenas de milhares de visitantes, numa afluência nunca igualada na museologia nacional, e, ainda, o bem sucedido programa "Geologia no Verão", do Ministério da Ciência e da Tecnologia, têm criado entre os jovens um interesse crescente por estas matérias, interesse que os mais velhos não puderam descobrir, sendo que fazem parte deste grupo muitos dos "opinion makers" e decisores que temos. De há muito que a humanidade busca proveito nas rochas, nos minerais e nos fósseis. Do sílex lascado dos neandertalenses ao quartzo piezoeléctrico das novas tecnologias, ou da hulha e do ferro da grande revolução industrial, ao "crude" e ao urânio das centrais nucleares, sempre o homem procurou e utilizou estes materiais que a natureza tem posto à sua disposição. Mas as rochas, os minerais e os fósseis são também e ainda documentos valiosos de uma história só através deles passível de ser desvendada. Uma história milhões de anos mais velha do que Matusalém. Para além do valor documental, que sempre encerram, muitas ocorrências geológicas revestem-se de monumentalidade, razão por que são entendidas como geomonumentos. Daí a classificação legal de monumento natural, a par de outras obras-primas criadas pelo engenho humano. São geomonumentos os que temos vindo a procurar defender e valorizar em vários pontos do país, em estreita, crescente e exemplar colaboração com as autarquias. Um tal património, acautelado em muitos países, permaneceu ignorado entre nós, apenas porque o saber geológico não tem feito parte da cultura geral dos portugueses, mesmo de muitos dos que integram as classes consideradas mais cultas, sendo, por isso, muito difícil batalhar por causas como esta, como aliás se comprova. Um geomonumento preserva uma história sempre interessante. Os geólogos sabem lê-la e é importante que a revelem aos seus concidadãos, à semelhança do que se faz com os palácios ou com todos os outros valores que fazem a história das nações. A jazida de Pego Longo, em Carenque, permite visualizar uma paisagem de há 95 milhões de anos, num ambiente litoral, lagunar e tropical que ali existiu, numa época em que o continente norte-americano começava a afastar-se da Europa e o Atlântico setentrional era ainda um longo canal abrindo e serpenteando de sul para norte. Revela ainda a existência de animais e plantas desse tempo que só a ciência soube trazer à luz do dia. Tenho pena de não ter o dr. Miguel Sousa Tavares do meu lado nesta cruzada. As suas muita inteligência e hábil argúcia, associadas ao seu natural e reconhecido brilhantismo, seriam uma mais-valia importante contra a insensibilidade, quase sempre fruto do saber incompleto, tantas vezes autoconvencido e até arrogante. Só que ele não pode. Falta-lhe nesta área toda a informação que o sistema lhe não proporcionou. E ao não poder dar o justo valor aquilo que não estudou e que, compreensivelmente, conhece mal, faz mau uso da autoridade que lhe vem do seu destacado prestígio como jornalista, servindo-se, no caso vertente, o que é pena, de um humor sarcástico, desnecessário e desajustado, que magoa e não lhe fica bem. Além disso, ilude a verdade, pelo que, em vez de informar, desinforma, induzindo em erro o leitor menos avisado. O estilo achincalhante com que opina numa área do conhecimento que não é, certamente, a sua é de acentuado mau gosto, e não se afasta muito do daqueles que dele fazem uso na apreciação, por exemplo, de obras de arte que não tiveram a feliz oportunidade de aprender a entender. Em 1994, com idêntico propósito, o dr. Pacheco Pereira usou semelhante tom e os mesmos argumentos contra a posição do governo do seu próprio partido, que, honra lhe seja feita, achou por bem não lhe dar ouvidos, tendo mandado abrir os dois túneis da CREL no sítio certo. O primeiro passo deste projecto foi, pois, alcançado. As pegadas estão lá, não foram "buldorizadas". Falta agora dar-lhe utilidade, em nome da ciência, do ensino e da cultura e de muitos outros valores, sem esquecer as "criancinhas" que merecem e apreciam ser tratadas com mais atenção e respeito.
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