Um dos objectivos das Ciências Naturais é o de ajudar a compreender o meio natural reconhecendo-o, explicando e prevendo os processos básicos que nele ocorrem. É neste contexto que esta saída de campo se insere.
A escolha do Cabo Mondego (Figueira da Foz) (área abrangida pela Carta Geológica de Portugal à escala 1:50 000, folha 19-C (Figueira da Foz) e 19-A (Cantanhede)) deveu-se às suas excelentes potencialidades, nomeadamente às condições de exposição dos afloramentos (sobretudo do período Jurássico), à possibilidade de reconstrução de um período da história geológica e à sua riqueza em fósseis. É de salientar a existência do estratótipo* do limite Aaleniano- Bajociano (Jurássico Médio).
É, pois, de extrema importância que se sensibilizem os alunos para a necessidade de preservação, valorização e utilização dos recursos geológicos como recursos não-renováveis, para que no futuro não se cometam os erros do passado e para que não se privem as próximas gerações deste inestimável património.
* Estratótipo (GSSP - Global Boundary Stratotype and Point) - Camada sedimentar que devido às características que possui é considerada a nível internacional como a mais representativa de um determinado intervalo de tempo geológico. Neste caso, em 1997 foi rectificado pela IUGS (União Internacional das Ciências Geológicas) o perfil do Cabo Mondego como o mais representativo para a passagem Aaleniano-Bajociano. Henriques (1998)
Preparação da aula de campo
Atendendo aos conteúdos programáticos do 3º ciclo e ensino secundário esta aula de campo é aconselhada para os alunos que frequentem os seguintes anos lectivos :
Os objectivos propostos para esta actividades abrangem diferentes domínios, sendo uns comuns a todos os níveis de ensino e outros propostos de acordo com o ano lectivo em que se encontram os alunos. No entanto, é pressuposto, na formulação dos objectivos científicos, que os alunos tenham já atingido os objectivos propostos para os anos lectivos anteriores.
O professor deve estabelecer um plano e construir um guião que permita orientar os alunos nas suas observações/acções. Os alunos mais velhos (11º e 12º anos) podem/devem participar na elaboração desse guião, por forma a abordarem temas que vão ao encontro das suas dúvidas. Na construção do guião deve ter-se em conta os conteúdos abordados na aula e este deve permitir várias abordagens teóricas.
Os alunos deverão ser divididos em pequenos grupos (4 ou 5 alunos) que deverão realizar as observações, medidas e anotações que lhes tenham sido solicitadas.
Na paragem n.º 4, cada um dos grupos deve analisar uma parte da falésia, caracterizando-a (litologia, minerais presentes, conteúdo em fósseis, estruturas sedimentares,...) podendo fazer-se um esboço e solicitando-se aos alunos do 12º ano que façam um perfil geológico.
Após a saída de campo devem ser discutidas as conclusões de cada um dos grupos; cada grupo deve apresentar à turma o trabalho que elaborou na paragem n.º 4, reconstituindo a história geológica. O professor deverá relacionar as observações feitas com os conhecimentos anteriormente adquiridos.
GEOMORFOLOGIA
A Serra da Boa Viagem apresenta cerca de 6 km de comprimento, uma direcção sensivelmente NW-SE e uma cota máxima de 257m na Bandeira.
Termina abruptamente nas vertentes setentrional e ocidental onde dominam as escarpas de natureza carbonatada, de que é exemplo a "Escarpa da Murtinheira" na vertente setentrional, que correponderá a uma falha inversa, com eventual actividade quaternária - falha de Quiaios.
Esta falha, que limita o maciço a norte, terá contribuído para colocar em contacto terrenos margo-calcários do Liásico com areias eólicas quaternárias - Areias de Cantanhede.
Na vertente ocidental, as formações do Dogger e Malm formam a arriba litoral do promontório, que se encontra actualmente descaracterizada devido à actividade extrativa secular que se desenvolveu no local.
A transição para o flanco meridional processa-se de forma "suave", terminando com uma série cretácica greso-carbonatada, à qual se sobrepõem depósitos quaternários que marginam o estuário do Mondego.
ENQUADRAMENTO GEOLÓGICO
A região da Serra da Boa Viagem insere-se na Orla Meso-Cenozóica Ocidental onde predominam rochas sedimentares químicas e detríticas. Apresenta uma estrutura em monoclinal com desenvolvimento Este-Oeste, e cerca de 30º de inclinação para Sul.
O Jurássico Médio é bastante monótono, corresponde geralmente a bancadas de calcário compacto mais ou menos argiloso alternando com camadas margosas. Alguns níveis revelam-se muito fossilíferos destacando-se uma importante fauna de amonites.
A passagem para o Jurássico Superior é marcada por uma importante lacuna. Seguem-se importantes depósitos lacustres ou lagunares nos quais se intercalam algumas bancadas de fácies marinhas litoral que correspondem a três formações litostratigráficas (da base para o topo):
O Jurássico superior termina com o complexo arenítico - Arenitos de Boa Viagem - que se prolongam na base do Cretácico. Trata-se de uma alternância de arenitos argilosos (vermelhos a amarelos) e de argilas (sendo as cores predominantes o amarelo, o cinzento e o esverdeado); que terão sido gerados em ambientes de plataforma-delta. Podem observar-se estruturas sedimentares entrecruzadas, figuras de carga (slumping) e marcas de ondulação (ripple marks).
O Cretácico Inferior e Médio está representado pelos Arenitos do Carrascal que assentam em discordância sobre as formações do Jurássico. É constituído por arenitos mais ou menos argilosos, finos a grosseiros e por argilas, em geral arenosas, sendo de natureza essencialmente flúvio-deltaica. A formação apresenta uma diminuição no calibre dos grãos para o topo. Apresenta estruturas sedimentares entrecruzadas.
Nesta região não afloram rochas de idade compreendida entre o Cretácico Superior e o Miocénico.
O Plio-Quaternário pode ser reconhecido por um conjunto de afloramentos constituídos por depósitos de origem fluvial, marinha (praia), eólica e torrencial que, de maneira geral, colmatam plataformas resultantes de fenómenos transgressivos.
O Pliocénico está representado por complexo de areias com estratificações entrecruzadas, com seixos, de grés argiloso e de argilas. Surgem afloramentos tanto a Norte como a Sul do rio Mondego.
O Plistocénico é constituído por tufos calcários (que não surgem nesta região), e também por vestígios de praias quaternárias e de terraços fluviais, representados por areias e cascalheiras.
Os terrenos modernos são representados por aluviões, areias de praia e areias de dunas.
Percurso :
1ª paragem: CEDROS - a 150m da Capela de Santo Amaro (Tempo de paragem: 20 minutos).
Pode observar-se a Dolina de Cedros, uma das maiores dolinas da Serra (dissimétrica). Está parcialmente edificada sobre arenitos do Jurássico Superior, mas a sua génese e evolução deve-se à existência de espessas camadas calcárias subjacentes que, ao sofrerem dissolução, permitiram o desenvolvimento de uma carsificação abaixo da superfície que levou à subsidência dos materiais superiores e, após a formação de algares e grutas, à própria absorção daqueles (Almeida,1998).
2ª paragem: BANDEIRA (Tempo de paragem: 15 minutos).
Nesta paragem pode ser feita a localização geográfica da Serra da boa Viagem, bem como relembrados os aspectos geológicos e geomorfológicos de maior interesse.
Os alunos devem ser alertados para a escarpa de falha e para alguns indícios de carsificação que podem ser observados. Pode referir-se também a erosão diferencial que origina um aspecto de "degraus" da escarpa, devido à erosão mais fácil das margas que dos calcários margosos.
3ª paragem: Em frente ao FAROL NOVO (Tempo de paragem: 10 minutos).
Podem observar-se os Depósitos de Praia do Farol (Plistocénico), apresentam-se de natureza areno-conglomerática com seixos bem rolados (que atingem dimensões até aos 4cm), consolidados com cimento de natureza carbonatada, que corresponde a uma acumulação de praia.
Estes depósitos são a materialização dos avanços e recuos do nível do mar correspondente a uma fase regressiva que ocorre a partir do Plistocénico Inferior, encontram-se escalonados entre a plataforma de transgressão pliocénica e o actual nível do mar.
O almoço deverá ser feito antes da próxima paragem.
4ª paragem: RESTAURANTE TEIMOSO - Figueira da Foz (Tempo de paragem: 2 horas).
É fundamental que na realização desta viagem se escolha uma data em que a maré baixa coincida com o período da tarde para que se possa percorrer a falésia.
O autocarro deve parar junto do restaurante Teimoso. Os alunos devem percorrer a praia a pé, junto da falésia, para Norte, atribuindo-se a cada grupo de alunos uma parte da falésia para que possam realizar o trabalho proposto no guião. O percurso desta 4ª paragem termina junto das pegadas de dinossáurio (Jurássico Superior) numa das camadas em frente à Cimpor.
Deve alertar-se os alunos para o impacte da exploração das pedreiras na falésia que põe em risco não só a beleza do local, como o seu potencial científico e didáctico, com especial relevo para o estratótipo do limite Aaleniano-Bajociano.
Nesta paragem deve deixar-se claro que estamos perante os registos de uma regressão, de Norte para Sul. O miradouro junto da portaria da Cimpor encontra-se sobre a transição entre a sedimentação predominantemente marinha (Jurássico) e a sedimentação fundamentalmente continental (Cretácico).
O autocarro pode esperar os alunos junto da entrada da Cimpor.
5ª paragem: Junto ao PARQUE DE CAMPISMO da Figueira da Foz na estrada Buarcos-Tavarede (Tempo de paragem: 10 minutos).
Esta paragem tem como objectivo fundamental ilustrar a continuação dos episódios de sedimentação detrítica do Cretácico. Podem ver-se os Arenitos do Carrascal com alguns níveis conglomeráticos lenticulares, e onde as estratificações entrecruzadas são perfeitamente visíveis.
Almeida, A. C.; André, J. N. & Cunha, P. P. (1998): Seminário Dunas da Zona Costeira de Portugal - visita de estudo à zona costeira entre o Cabo Mondego e S. Pedro de Moel. Associação Eurocoast - Portugal.
Cunha P., Pinto J. & Dinis J. (1997): Evolução da fisiografia e ocupação antrópica na área estuarina do Rio Mondego e região envolvente (Portugal centro-oeste), desde 1947. Territorium, Revista de Geografia Física aplicada no ordenamento do território e gestão de riscos naturais, Coimbra, 4, pp-99-124.
Cunha P. & Dinis J. (1998): A erosão nas praias do Cabo Mondego à Figueira da Foz (Portugal centro-oeste), de 1995 a 1998. Territorium, Revista de Geografia Física aplicada no ordenamento do território e gestão de riscos naturais, Coimbra, 5, 31-50.
Cunha P., Dinis J. & André J. (1998): Interacção entre as operações de dragagem no Porto da Figueira da Foz e a dinâmica sedimentar no Estuário do Mondego e costa adjacente (Portugal central), Seminário sobre Dragagens, dragados e ambientes costeiros (Actas), Associação Eurocoast-Portugal (edt.), Lisboa, pp.27-45.
Dinis J. & Cunha P. (1998): Impactes antrópicos no sistema sedimentar do Estuário do Mondego. Sociedade e Território, Editora Afrontamento, Porto, 27, pp.47-59.
Henriques, M.H. (1998): O Jurássico do Cabo Mondego e a projecção internacional do Património Geológico Português. I Encontro Internacional sobre Paleobiologia dos Dinossaurios, Lisboa.
Pinto, J. M. S. (1997): Contributo para recuperação ambiental das pedreiras Norte e Sul do Cabo Mondego - dissertação de mestrado na área de especialização de processos geológicos - Ensino das Ciências da Terra. Departamento de Ciências da Terra da FCT da Universidade de Coimbra. Coimbra.
Rocha, R.; Manuppella, G.; Mouterde, R.; Ruget, C. & Zbyszewski, G. (1981): Noticia explicativa da folha 19-C - Figueira da Foz da Carta Geológica de Portugal à escala 1:50000. Direcção Geral de Geologia e Minas - Serviços Geológicos de Portugal. Lisboa